Escassez e mudanças na legislação
estimulam a adoção de sistemas de reaproveitamento de
água utilizada no processo produtivo. Ganham o meio
ambiente e as empresas, que conseguem uma boa redução
de gastos.
A água que você bebeu no café,
pela manhã, pode ter sido usada por Cleópatra, no
Egito, há mais de dois mil anos. O exemplo pode parecer
estranho, mas demonstra que o volume de água na Terra
é o mesmo há milhões de anos, sendo usado e
reutilizado, num ciclo natural ininterrupto. Conhecido
desde a Grécia Antiga, que destinava esgotos para
irrigação, o conceito de reutilização da água vai
ser tornando palavra de ordem nos tempos modernos, como
forma de preservar a água potável. Na industria, uma
serie de exemplos mostra que o setor começou a
despertar para o problema.
A Terra, que possui três quartas
partes de água – 97,5% salgada e 1,75% nas geleiras
-, não dispões de água doce para todos seus 6,4
bilhões de habitantes. Mais de 1,1 bilhão de pessoas
convivem com dificuldades de acesso à água potável.
Problema que poderá ganhar dimensão ainda maior se os
governos e a sociedade não adotarem medidas de
conservação. Há quem estime que a escassez pode
atingir sete dos nove bilhões dos habitantes da Terra
projetados para 2050. Previsões menos drásticas falam
em dois bilhões.
Mesmo o Brasil, que possui 12% da
água doce do planeta, e cultura de abundância, tem
problemas. Sobra água no norte, mas o semi-árido
nordestino é castigado pela seca há séculos. A
região metropolitana de São Paulo, com a maior
população, já busca água a mais de cem quilômetros.
Como resolver a equação? A resposta está em atitudes
que devem ser integradas ao cotidiano de todos:
conservação, uso racional e reuso da água.
Ainda pouco disseminado no país, o
conceito de reuso tem motivado investimento em projetos
e pesquisas em todo mundo. Atualmente é possível
tratar qualquer tipo de água, para qualquer tipo de
uso, com diferentes processos: físicos (sedimentação,
decantação, filtragem, flotação de resíduos);
químicos (troca iônica, oxidação, coagulação),
biológicos; absortivos e o mais recente, a osmose
reversa, com membranas filtrantes. “Depende só do
custo que o usuário está disposto a pagar e da
distância para transporte dessa água”, explica a
engenheira Soraia Giordani, autora de uma dissertação
de mestrado sobre possibilidade de reuso de água de
estações de tratamento de esgotos em Curitiba.
“O reuso permite atender o
consumidor industrial com água menos nobre e assim,
posterga investimentos em obras destinadas ao
abastecimento da população, como adutoras e barragens”,
aponta Leura Coante de Oliveira, gerente de projetos da
Sanepar e responsável por implantar uma estação que
trata água industrial de um ponto altamente poluído do
rio Iguaçu.
No Brasil, a maior parte das
iniciativas de reuso de água esta no setor industrial,
onde é especialmente útil. O setor consome 22% da
água disponível e a agricultura 72%. Na industria, a
água, tratada ou não, pode ser reaproveitada para
gerar energia, refrigerar e lavar equipamentos, entre
outras possibilidades.
A Trombini Embalagens, de Curitiba,
economiza o equivalente a 90% de sua necessidade de
água graças a uma estação onde trata 100% de seus
efluente, para reutilização no processo produtivo.
Outras duas empresas instaladas no Paraná – a Tafisa
e a Peróxidos do Brasil – estão investindo para
aumentar o percentual de reuso de água. Também há
exemplos no setor de serviços. O hotel Íbis Batel, de
Curitiba, tem um sistema que reutiliza água de
chuveiros e pias nos vasos sanitários.
Prefeituras e entidades podem
aproveitar a água já utilizada anteriormente para
lavar ruas e pátios, desobstruir redes de esgotos e
água pluviais, lavar veículos e combater incêndios.
No setor hoteleiro e de lazer, é possível irrigar
parques, jardins e gramados esportivos, alimentar lagos
e piscinas ou descargas sanitárias.
Uma Câmara técnica do Conselho
Nacional de Recursos Hídricos estuda proposta para
regulamentar o reuso de água. “A idéia é incentivar
e disciplinar, para que seja feito de maneira adequada”,
diz o secretário nacional de Recursos Hídricos, João
Bosco Senra. “O setor industrial deve participar e
contribuir, porque será o principal beneficiário
quando o uso for limitado”.
Uma preocupação é com riscos
sanitários. A contaminação pode inviabilizar formas
de reuso como a recarga de aqüíferos. “Também há
riscos de interconexão entre instalações de
diferentes tipos de água”, alerta o professor do Ary
Haro dos Anjos Junior, da Universidade Federal do
Paraná.
BEM FINITO E DE VALOR
A preocupação com o reuso despertou
o setor industrial nacional a partir da Lei das Águas
(9.433/97), que apontou a água como um bem econômico,
escasso e de valor. A lei prevê a cobrança pelo uso
deste recurso e destina a arrecadação à conservação
e recuperação dos mananciais onde é captado, como
forma de garantir seu acesso às gerações futuras.
Também coloca como prioridade o uso da água para
consumo humano e animal.
Quanto incentivo para o reuso veio
com a obrigação de tratar os efluentes, previstos na
Lei dos Crimes Ambientais (9.605/98). “Se é
obrigatório tratar, não reutilizar é jogar dinheiro
fora”, diz a especialista em recursos hídricos
Anícia Baptistello Pio, do Departamento de Meio
Ambiente da Federação das Industrias de São Paulo
(Fiesp). “Mas antes de partir para o reuso é preciso
medir e otimizar o consumo, fazer manutenção ou trocar
equipamentos para evitar perdas e desperdícios”.
Na FIEP, a água também é alvo de
preocupação permanente, ressalta o coordenador do
Conselho Temático de Meio Ambiente da entidade, Romão
Gava, lembrando que o tema é um dos destaques da Agenda
21. “Temos divulgado a agenda e a sustentabilidade,
que é o eixo de tudo”, diz ele.
COBRANÇA
Insumo de baixo impacto no custo
final (menos de 1% na maioria dos casos), a água é
insubstituível na produção. Mas a maioria das
empresas não sabe, nem mede, quanto consome, exceto se
compra de companhias de saneamento – e ainda deixa de
contabilizar custos de tratamento e de energia para
reservar e distribuir. “São custos indiretos, que
normalmente entram em despesas gerais”, aponta Aníca
Pio.
Essa situação começou a mudar com
a cobrança pelo uso da água, inciada em março de
2003, na bacia federal do rio Paraíba do Sul, que banha
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Cada metro
cúbico custa até R$ 0,028. O comitê da bacia,
compostos por usuários, governo e sociedade civil,
definiu a metodologia e a formula de cobrança, que
diferencia tipos de uso: captação (R$ 0,008/m³),
consumo efetivo (R$ 0,02) e descarte (de zero a R$
0,02). O modelo foi copiado pelo Rio de Janeiro e deve
ser implantado nos estados de São Paulo e Minas Gerais.
O Paraná pretende seguir modelo
parecido, mas o processo esta parado desde 2003. Talvez
entre em vigor neste ano. O governo do Estado, que
prefere a gestão publica dos recursos hídricos, espera
que a Assembléia Legislativa aprove mudanças na Lei
12.726/99. Assim a Superintendência de Desenvolvimento
de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental (SUDERHSA),
poderá exercer o papel de agencia de bacias, que
deveria ser das associações de usuários. “Estamos
elaborando o plano de recursos hídricos e negociando
com Agência Nacional de Águas apoio financeiro para
elaborar os planos das bacias hidrográficas do Alto
Iguaçu e Ribeira e do rio Tibagi, que atendem 4,2
milhões de pessoas”, diz o presidente da SUDERHSA,
Darcy Deitos.
“O atraso significa mais demora
para tornar nossos rios saudáveis”, lamenta Péricles
Salazar, que preside o Sindicato da Industria de Carnes
e Derivados no Estado do Paraná e interinamente a
associação criada para gerir em conjunto com o setor
público as bacias do Alto Iguaçu e Ribeira. “O
Estado não tem estrutura para gerir todas as bacias
hidrográficas e a idéia da associação de usuários
é contribuir para ter rios limpos e saneados e garantir
que a cobrança na inviabilize o setor produtivo, nem
seja apenas uma fonte de arrecadação”.
RESIDUOS SÓLIDOS
Quanto mais investimentos houver na
reciclagem de águas, maior será a qualidade de
resíduos gerados. Por isso é importante que os
projetos de reuso contemplem a destinação final desses
resíduos. Dependendo de suas características físicas,
químicas e biológicas, eles podem ser dispostos em
aterros sanitários, incinerados, co-processados,
incorporados em outros processos industriais ou mesmo
reutilizados na agricultura.
A reciclagem agrícola é uma das
alternativas mais aceitas atualmente, conforme o
professor Luiz Lucchesi, do Departamento de Solos e
Engenharia Agrícola da Universidade Federal do Paraná.
As resultadas das pesquisas realizadas por ele têm sido
aplicadas com sucesso por empresas geradoras de
resíduos, principalmente de lodos que são
transformados em fertilizantes para solos. Lucchesi cita
como exemplo projeto desenvolvido na Estação de
Tratamento de Esgoto Belém da Sanepar, em Curitiba. “O
trabalho contribuiu para a despoluição da Bacia do
Alto Iguaçu e beneficiou vários agricultores um raio
de 300 quilômetros”, afirma o pesquisador.
ÁGUAS NO MUNDO
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O volume total de água na Terra
é de aproximadamente 1,4 bilhão de m³.
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O volume de água doce é de 35
milhões de m³, ou cerca de 2,5% do total.
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Dessa água doce, cerca de 24
milhões de m³, ou 68,9%, estão em forma de gelo,
na neve permanente de regiões montanhosas e nas
calotas polares.
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O subsolo armazena cerca de 8
milhões m³, ou 30,8%, em aqüíferos e lençóis
subterrâneos ou terras alagadas, constituindo cerca
de 97% do potencial de água doce disponível para
uso humano.
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Lagos e rios contem
aproximadamente 105.000 m³, algo em torno de 0,3%
da água doce do planeta.
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A fonte de água doce total para
uso dos ecosistemas e seres humanos é de
aproximadamente 200.000m³, volume inferior a 1% de
todos os recursos disponíveis e somente 0,01% de
toda a água na Terra.
Fonte: Revista Observatório
da Industria
março/abril de 2005 - FIEP
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